Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 2: II Pág. 83 / 273

No mundo profano, conforme previa, uma voz mundana incitá-lo-ia a contribuir com o seu trabalho para recuperar os bens do seu pai, e, entretanto, a voz dos seus companheiros de escola instava-o a ser um bom camarada, a proteger os outros dos castigos ou pedir por eles e a fazer todo o possível para obter dias feriados. E era a algazarra de todas essas vozes que soavam a oco que o fazia deter-se, irresoluto, na perseguição dos seus fantasmas. Escutava apenas uma de cada vez, mas só se sentia feliz quando estava longe delas, fora do seu alcance, sozinho na companhia de fantasmagóricos camaradas.

Na sacristia, um jesuíta gorducho, de rosto fresco, e um homem idoso, de fato azul poido, remexiam numa caixa de tintas e de giz. Os rapazes que já estavam pintados andavam por perto ou ficavam desajeitadamente parados, tocando furtivamente no rosto com as pontas dos dedos. No meio da sacristia, um jovem jesuíta, que estava de visita ao colégio, balançava-se ritmadamente sobre as pontas dos pés e os calcanhares, com as mãos bem enterradas nos bolsos laterais. A sua cabeça pequena, penteada com brilhantes caracóis ruivos, e o seu rosto recém-barbeado ligavam bem com o impecável asseio da sua batina e com os seus sapatos imaculados.

Enquanto observava aquela figura oscilante e tentava decifrar o significado do sorriso trocista do padre, veio à memória de Stephen uma frase que escutara ao seu pai antes de ser enviado para Clongowes: podia-se sempre classificar um jesuíta pelo estilo dos seus trajos. Na mesma altura, pensou que existia uma semelhança entre a mente do seu pai e a daquele padre sorridente e bem vestido; e teve consciência de uma certa profanação do ofício de padre ou da própria sacristia, cujo silêncio era violado pelas conversas e piadas em voz alta, e cujo ar pungente era profanado pelos odores dos jactos de gás e da brilhantina.





Os capítulos deste livro