Enquanto o homem idoso lhe desenhava rugas na testa e lhe pintava os maxilares de preto e azul, ele escutava distraidamente a voz do jovem jesuíta nédio que lhe pedia que falasse bem alto e se explicasse bem. Ouviu a banda tocar O Lírio de Killarney e verificou que, dentro de momentos, o pano subiria. Não sentia medo do palco, mas a ideia do papel que ia desempenhar humilhava-o. A recordação de algumas frases fez corar as suas faces pintadas. Viu os olhos graves e fascinantes dela, observando-o, no meio da assistência, e a sua imagem varreu imediatamente os seus escrúpulos, fortalecendo a sua vontade. Teve a sensação de lhe ter sido emprestada uma outra natureza; o contágio da excitação e da juventude que o rodeavam penetrou nele e modificou a sua desconfiança melancólica. Durante um momento raro, sentiu-se revestido da autêntica roupagem da adolescência; e, enquanto aguardava nos bastidores, entre os outros actores, partilhou a alegria comum, no meio da qual o cenário estava a ser subido por dois padres fortes, com fortes puxões e todo enviesado.
Momentos depois estava no palco, entre as luzes de gás da ribalta e o cenário indistinto, actuando perante os inumeráveis rostos do vazio. Surpreendeu-o verificar que a peça que, durante os ensaios, fora uma coisa desconjuntada e sem vigor, tinha adquirido uma vida própria. Parecia representar-se sozinha, com ele e os outros actores. a contribuírem com os seus papeis. Quando o pano caiu, após a última cena, ouviu o vazio encher-se de aplausos e, através de um orifício de um cenário lateral, viu o corpo único diante do qual representara deformar-se magicamente, enquanto os rostos do vazio se separavam em diversos grupos agitados.
Saiu rapidamente do palco, livrou-se da sua fantasia e atravessou a capela em direcção ao jardim do colégio.
