Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 2: II Pág. 88 / 273

A consciência da cidade quente e soalheira no exterior da sua janela e as suaves modulações com que a voz do seu pai enfeitava a atmosfera estranha, triste e feliz, afastaram todos os vapores do mau humor nocturno do cérebro de Stephen, Pôs-se rapidamente de pé, vestiu-se e, quando a canção terminou, disse:

- Essa é muito mais bonita que qualquer das suas outras come-all-yous (Vinde Todos).

- Achas? - perguntou Mr. Dedalus.

- Gosto dela - disse Stephen,

- É uma área muito antiga - disse Mr. Dedalus, retorcendo as guias do bigode. - Ah, havias de ter ouvido o Mick Lacy a cantá-la. Coitado do Mick Lacy! Dava-lhe um jeito especial, umas notas graciosas que eu não sou capaz de dar. Esse sim, é que tinha jeito para cantar come-all-yous.

Mr. Dedalus tinha pedido drisbeens para o pequeno-almoço e, durante a refeição, interrogou o criado, perguntando-lhe quais eram as novidades locais. Desentenderam-se durante a maior parte da conversa, sempre que havia referência a um nome, pois o criado referia-se ao seu actual detentor e Mr. Dedalus ao seu pai ou talvez ao seu avô.

- Bom, espero que, pelo menos, não tenham mudado o Colégio da Rainha - disse Mr. Dedalus - porque quero mostrá-lo ao meu rapaz.

As árvores estavam em flor, ao longo do Mardyke. Entraram no terreno do colégio e o loquaz porteiro conduziu-os através do pátio rectangular. Mas o seu avanço sobre o cascalho era interrompido, a cada dúzia de passos, pelas respostas do porteiro.

-Ai, não me diga! O pobre do Barriga-de-Bicho já morreu?

- É verdade, senhor, já morreu.

Durante estas paragens, Stephen conservava-se, pouco à vontade, atrás dos dois homens, farto do assunto e aguardando, impaciente, que a lenta marcha recomeçasse.





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