Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 2: II Pág. 89 / 273

Quando acabaram de atravessar o pátio, a sua impaciência tinha-se tornado febril. Perguntava a si mesmo como era possível que o seu pai, que ele sabia ser um homem astuto e desconfiado, se deixasse levar pelas maneiras servis do porteiro; e a viva pronúncia do Sul, que toda a manhã o divertira, começava agora a irritá-lo.

Penetraram no teatro de anatomia, onde Mr. Dedalus, com a ajuda do porteiro, procurou as suas iniciais nas carteiras. Stephen permaneceu ao fundo da sala, deprimido, mais do que nunca, pela escuridão e o silêncio do teatro e pelo ambiente que dele emanava de estudo árido e formal. Numa carteira, leu a palavra Feto gravada diversas vezes na madeira escura e manchada. A súbita inscrição sobressaltou-o: pareceu-lhe sentir a presença, à sua volta, dos estudantes ausentes do colégio e arrepiou-se perante a sua companhia. A visão da vida deles, que as palavras do pai não tinham tido o poder de evocar, surgiu diante dele através da palavra gravada na carteira. Um estudante de ombros largos, de bigode, entalhava-as com um canivete, cuidadosamente. Os outros estudantes estavam de pé ou sentados junto dele, rindo-se do seu trabalho. Um deles empurrou-lhe o cotovelo. O estudante grandalhão voltou-se para ele, franzindo o sobrolho. Vestia um fato cinzento largo e usava botas castanhas.

Stephen ouviu chamarem o seu nome. Desceu rapidamente os degraus do anfiteatro, para se afastar tanto quanto possível da visão e, fitando atentamente as iniciais do seu pai, escondeu o rosto afogueado.

Mas a palavra e a visão dançavam diante dos seus olhos enquanto atravessava de novo o rectângulo, em direcção ao portão. Chocara-o descobrir no mundo exterior vestígios daquilo que tinha considerado, até então, como uma doença estúpida e particular da sua própria mente.





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