As Viagens de Gulliver - Cap. 4: Capítulo II Pág. 111 / 339

Observaram os meus dentes, que examinaram ao pormenor, chegando à conclusão que era um animal carnívoro; no entanto, sendo a maior parte dos quadrúpedes excessivamente grandes para mim e sendo os ratos do campo, juntamente com outos animais, demasiado rápidos, não conseguiam imaginar como poderia manter-me, a não ser que me alimentasse de caracóis e de outros insectos que citaram para demonstrar, com muitos argumentos eruditos, que não tinha meios para sobreviver. Um dos sábios parecia inclinado a pensar que eu era um embrião ou um aborto. Mas esta opinião foi rechaçada pelos outros dois que viam que os meus membros eram perfeitos e acabados e que, como evidenciava a minha barba, cujas raízes examinaram demoradamente com uma lupa, tinha vários anos de idade. Não admitiam que fosse um anão dado que a minha pequenez superava todos os limites comparativos, já que o anão favorito da rainha, o mais pequeno de todo o reino, media quase trinta pés. Após amplo debate, concluíram por unanimidade que eu era um reolum scalcath, literalmente um Lusus naturae, um fenómeno da natureza, termo que se harmonizava em pleno com os da moderna ciência europeia cujos professores, desprezando a antiga evasiva de causas ocultas com a que os seguidores de Aristóteles procuravam em vão dissimular a sua ignorância, inventaram essa admirável e universal solução para os obstáculos ao imponderável avanço do conhecimento humano.

Após essa conclusão definitiva, solicitei autorização para falar. Dirigi-me ao rei e assegurei a Sua Majestade que vinha de um país que contava com vários milhões de seres de ambos os sexos, semelhantes a mim e com idêntico tamanho, pelo que os animais, árvores e casas se encontravam todos em proporção; por consequência, era tão capaz de defender-me e encontrar sustento lá como qualquer dos súbditos de Sua Majestade aqui.





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