Noutra, um barbeiro, um abade e dois cardeais. A minha veneração pelas cabeças coroadas é demasiado grande para ser reiterativo em tema tão candente. Não fui tão escrupuloso ao referir-me a condes, marqueses, duques e outros grandes dignitários. E confesso que experimentei não pouca satisfação quando, ao remontar até às suas origens, consegui encontrar traços peculiares que são típicos de certas famílias. Pude descobrir com clareza a origem do queixo proeminente de determinada família; por que noutra existe tal abundância de gente sem honra em duas anteriores gerações e de idiotas nas duas seguintes; por que a terceira sofria de transtornos de cabeça e a quarta estava cheia de vigaristas. Compreende-se assim o que Virgílio afirmou de uma grande família:
Nec vir fortis, nec faemina casta. E por que o traço característico de algumas famílias se baseava tanto na crueldade, perfídia e cobardia como nos componentes do seu brasão. Fiquei a saber quem introduziu a varíola numa família nobre, que se transmitiu de geração em geração sob a forma de pústulas escrofulosas. Não ficava demasiado espantado por ver tantas linhagens interrompidas por pajens, lacaios, mordomos, cocheiros, jogadores profissionais, capitães e larápios.
A história moderna levou a minha decepção ao cúmulo pois, tendo examinado com grande atenção todas as figuras de renome que tinham vivido nas cortes régias durante o último século, verifiquei que a opinião pública fora ludibriada por escritores espúrios ao atribuírem a cobardes façanhas com dimensão bíblica, a loucos os conselhos mais sábios, a aduladores a sinceridade, a traidores à pátria virtudes romanas, a ateus actos religiosos, a sodomitas a castidade, a testemunhas falsas a veracidade.
