CAPÍTULO IV
As noções de verdade e de mentira entre os houyhnhnms. O discurso do autor recebe a desaprovação do seu dono. O autor proporciona um relato mais pormenorizado sobre ele e as suas viagens.
O meu amo escutava-me com evidentes indícios de inquietação reflectidos no seu rosto, porque sendo o duvidar ou o não acreditar praticamente desconhecidos neste país, os seus habitantes não sabem como comportar-se em tais circunstâncias. E recordo que, durante as numerosas conversações com o meu amo sobre a natureza do género humano de outras partes do mundo, ao falar de mentiras e deformações da verdade, custou-me muitíssimo dar-lhe a perceber o significado, apesar da sua perspicaz inteligência. Este era o seu modo de pensar: pelo uso da palavra comunicamos uns com os outros e recebemos informação sobre os acontecimentos; ora se o que fala diz a coisa que não é, trai a própria essência da linguagem; deixa de haver entendimento; pelo contrário, está-se tão longe de receber informação que se fica num estado pior que a ignorância, uma vez que se é induzido a acreditar que é branco e pequeno aquilo que realmente é negro e grande. Estas eram as noções que ele tinha sobre a mentira, faculdade tão perfeitamente compreendida e universalmente praticada pelos humanos.
Mas abandonemos este caso. Quando lhe revelei que os yahoos eram os animais responsáveis do meu país, o meu dono afirmou que isso ultrapassava a sua capacidade de compreensão, e desejou saber se havia houyhnhnms entre nós e em quê se os utilizava.
