Caminhava de forma insegura sobre as minhas patas traseiras; pensava que devia haver qualquer razão para dar aplicação às unhas, como defesa ou noutro uso, assim como para cortar o pêlo da barba que, em princípio, deveria proteger-me do Sol e das intempéries. Por fim, não podia correr com vigor, nem encarrapitar-me nas árvores como os meus irmãos (assim os chamava) yahoos desta ilha.
Quanto às nossas instituições políticas e judiciais, eram claramente fruto da nossa falta de razão e, por consequência, de virtude, porque para governar uma criatura racional basta apenas a razão. Por tal motivo não nos podíamos arrogar a possuir essa qualidade, mesmo tendo em conta o relato sobre minha própria gente, se bem que ele tivesse detectado com clareza que, para embelezar as coisas, ocultara muitos pormenores e amiúde dissera a coisa que não era.
O que sobretudo lhe confirmava esta opinião era ter observado que a mesma semelhança existente em todos os aspectos do meu corpo e o dos yahoos (com excepção da falta de força, velocidade, agilidade, corte das minhas garras e alguns outros pormenores que não tinham nada a ver com a natureza) era tanto mais chocante quanto idêntica semelhança se encontrava na disposição mental, pelo que deduzia da descrição das nossas vidas, costumes e acções. Afirmou que era proverbial o ódio que os yahoos alimentavam entre si, muito mais acentuado do que em qualquer outra espécie animal, admitindo-se em geral que tal ódio nasça da sua repulsiva constituição, que todos vêem nos demais embora não em si próprios. Começara, por conseguinte, a considerar que não era irracional a forma de cobrir o nosso corpo e ocultar, assim, mutuamente muitas das nossas deformidades que, de outro modo, dificilmente se teriam tornado suportáveis.
