Tendo replicado assim à única censura que me podia ser feita como viajante, despeço-me agora do amável leitor de um modo definitivo, para regressar aos prazeres da meditação no meu pequeno jardim de Redcriff, para me esforçar a pôr em prática as excelsas lições de virtude que aprendi entre os houyhnhnms; para ensinar os yahoos da minha própria família, enquanto a sua docilidade animal o permitir; para contemplar frequentemente a minha imagem no espelho e, assim, acostumar-me, com o tempo e na medida do possível, a tolerar a presença da criatura humana; para lamentar a irracionalidade dos houyhnhnms do meu país, animais a quem dedico respeito, em consideração a meu nobre amo, à sua família e amigos, a toda a raça houyhnhnm, com quem os nossos cavalos se parecem como gotas de água, apesar da degenerescência da sua inteligência.
Na semana passada comecei a tolerar que a minha mulher comesse comigo, sentada no extremo oposto de uma comprida mesa, e que respondesse com grande parcimónia às minhas perguntas. Contudo, como o cheiro de yahoo continua a ser-me muito desagradável, tenho sempre o nariz tapado com arruda, alfazema ou folhas de tabaco. E embora seja por vezes difícil mudar os hábitos enraizados de um homem maduro, ainda não perdi a esperança de, um dia, suportar a presença de um vizinho yahoo sem receio de ser vítima dos seus dentes ou garras.
A minha reconciliação com o género yahoo em geral apresentaria menos dificuldades se se contentassem em ter os vícios e praticar as loucuras próprias da sua natureza.
Não me sinto exasperado por ver um advogado, um canalha, um coronel, um bobo, um cavalheiro, um batoteiro, um político, um chulo, um médico, uma testemunha, um venal, um procurador, um traidor e outros que tais: adaptam-se ao desenvolvimento normal dos acontecimentos.
