A Linha de Sombra - Cap. 7: V Pág. 107 / 155

A extrema solidão do mar agia no meu cérebro como um veneno. Quando deitei os olhos pelo navio, fui tomado de assalto pela imagem mórbida que o representava como um sepulcro flutuante. Quem é que nunca ouviu falar em navios à deriva, levando dentro a tripulação morta? Fitei o marinheiro ao leme, senti-me impelido a falar-lhe e, realmente, o rosto dele ganhou uma expressão de expectativa, como se tivesse adivinhado o que se passava em mim. Mas acabei por descer do tombadilho, esperando ficar a sós com a imensidade da minha aflição durante uns momentos. Só que Burns vira-me descer, e interpelou-me, resmungão:

«Então, comandante?»

Entrei. «As coisas não estão nada bem encaminhadas», disse-lhe.

De novo no seu beliche, Burns escondia a metade do rosto hirsuta na palma da mão.

«Aquele maldito tirou-me a tesoura», foram as suas palavras seguintes.

A tensão nervosa era tão grande que talvez fosse razoável que também Burns começasse por se queixar de uma coisa daquelas. Parecia extremamente ofendido com o facto e rosnava: «Ele julga que eu estou doido ou quê?».

«Não me parece, senhor Burns», disse eu. E olhei naquele instante para ele como para um modelo de auto-controlo. Cheguei mesmo, deste modo, a experimentar uma certa admiração por aquele homem que chegara (exceptuando o que restava da substância material da sua pessoa) tão perto de ser apenas um espírito liberto do corpo como jamais outro conseguira, e que ao mesmo tempo lograra continuar a viver. Observei atentamente a extraordinária linha afilada do seu nariz, as fontes profundamente encovadas, e senti inveja dele. Estava de tal forma desgastado que tinha todas as probabilidades de morrer sem delongas de maior. Homem invejável! Tão perto de se apagar por completo.





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