O tom habitual de uma conversa bastava para levar uma palavra de uma ponta a outra do navio. O mais terrível era que a única voz que eu ouvia sempre era a minha. Sobretudo, de noite, ressoava solitária por entre as superfícies lisas das velas, despidas do mais pequeno estremecimento.
Mas Burns, ainda de cama, com a sua atitude secretamente decidida, sentia-se inclinado a refilar acerca de toda uma série de coisas. As nossas entrevistas reduziam-se a uma duração de cerca de cinco minutos, mas repetiam-se um número considerável de vezes. Eu andava a descer constantemente lá abaixo à procura de lume, embora nessa altura não procedesse a um consumo muito grande de tabaco. O cachimbo, porém, apagava-se-me permanentemente, porque a verdade é que eu não tinha a tranquilidade necessária para poder fumar decentemente uma boa baforada. E além disso, durante a maior parte do tempo, ao longo das vinte e quatro horas de cada dia, riscava fósforos no tombadilho e ficava com eles acesos no ar até me queimarem os dedos. Seja como for, não parava de correr até lá abaixo. Era variar um pouco. Tratava-se da única interrupção do meu esforço incessante, e claro está que Burns, pela porta aberta, podia, todas as vezes, ver-me entrar e sair.
Com os joelhos em arco chegando-lhe ao queixo, e os olhos esverdeados cravados nos joelhos soerguidos, era para mim uma imagem fatal, dado o meu conhecimento da ideia louca, nada atraente, que se lhe metera na cabeça. De qualquer modo, sempre tinha que, uma vez por outra, falar com ele, e ele queixou-se um dia de que o navio estava demasiado silencioso. Horas e horas, disse-me, para ali estava ele deitado, sem ouvir o mais pequeno som, até já não saber o que havia de fazer.
«Quando acontece Ransome estar lá para o lado de vante, na cozinha, isto fica tudo tão cheio de silêncio que um tipo bem pode pensar que morreu toda a gente a bordo», rosnou ele.