A Linha de Sombra - Cap. 2: I Pág. 8 / 155

Eu próprio só o vi uma vez e absolutamente por acaso, num cais acostável: era um homem pequeno, envelhecido e escuro, zarolho, vestido com um albornoz branco e que trazia umas pantufas amarelas calçadas. Uma multidão de peregrinos malaios rodeava-o e beijava-lhe a mão, agradecendo qualquer favor seu em matéria de comida ou dinheiro. A sua actividade de benemérito, segundo me referiram, era muito vasta, estendendo-se por quase todo o arquipélago. Pois não foi dito que «Alá é o amigo do homem caridoso»?

Tinha portanto um excelente e curioso armador árabe, com quem não havia quaisquer problemas, o mais belo dos navios escoceses - porque o era da quilha para cima -, óptimo barco para o mar, de limpeza fácil, muitíssimo conveniente em todos os sentidos, fora ainda o seu sistema de propulsão interna digno da apreciação de qualquer pessoa, e por cuja memória tenho mantido até hoje o maior respeito. Quanto à espécie de actividade comercial a que se entregava o barco e ao carácter dos meus companheiros, eu não teria sido mais feliz se a vida e os homens estivessem ao dispor da minha vontade graças ao gesto de algum mago propício.

E, de um momento para o outro, deixei tudo isso.

Abandonei-o - digo-o entre nós - com a inconsequência própria de um pássaro que parte a voar de uma ramada confortável. Foi como se, sem fazer disso a mais pequena ideia, eu tivesse ouvido murmurar ou visto qualquer coisa. Sim... - é possível! Num dia encontrava-me perfeitamente bem tal como estava, e no dia seguinte já tudo acabara- encanto, gosto, interesse, prazer- tudo... Foi um desses momentos - estão a ver? - A icterícia do período final da juventude atacara-me e levava-me. Levava-me para fora do navio, é isso que estou a dizer.

Éramos somente quatro homens a bordo, com uma grande tripulação de calaches e dois contramestres da Malásia.





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