A Linha de Sombra - Cap. 5: III Pág. 87 / 155

Havia de soprá-lo para longe a primeira brisa do mar. A calma era, agora, total. Concluí que o segundo piloto... - um jovem com uma cara que pouco ou nada prometia - não era (para pôr a questão com toda a indulgência) daquela massa de que é feito o braço direito de um comandante. Mas sentia-me satisfeito ao observar, ao longo do convés, alguns sorrisos nos rostos dos marinheiros que ainda mal conhecia. Liberto da meada insuportável de assuntos a tratar em terra, sentia-me em família, entre eles, ainda que um pouco estranho, como um filho-pródigo no meio dos seus.

Ransome aparecia e desaparecia constantemente, entre a câmara e a cozinha. Dava gosto olhá-lo. Aquele homem era, indubitavelmente, simpático. Só ele, em toda a tripulação, não estivera um único dia doente, no porto. Mas tendo conhecimento, como eu tinha, do mal de coração que dentro do peito lhe pulsava, era-me fácil distinguir as limitações que ele punha à agilidade natural de marujo dos seus movimentos. Como se, obrigado a trazer sempre consigo qualquer coisa extremamente frágil ou explosiva, tivesse disso consciência permanente.

Tive oportunidade de me dirigir a ele, uma ou duas vezes. Respondeu-me com uma voz tranquila e agradável e um sorriso ténue, levemente pensativo. Burns parecia descansar. Sentia-se, aparentemente bastante confortável.

Depois do pôr-do-sol, saí novamente para o tombadilho, não encontrando ali senão um vazio preenchido pela calma. A informe e fina crosta da terra à beira mar não se distinguia. Em torno do navio tinha-se levantado uma treva como misteriosa emanação das águas mudas e solitárias. Encostei-me à amurada, escutando as sombras da noite. Nenhum som. O navio sob meu comando podia bem comparar-se à órbita prescrita num espaço de infinito silêncio, de um planeta em translação vertiginosa.





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