Pelo menos, era o que me parecia. Possuía um conhecimento articulado da minha formação profissional como só é possível a quem se dedica a uma actividade que ama. Sentir-me capaz parecia-me a coisa mais natural deste mundo. Era tão natural como a respiração. Achava que não me seria sequer possível viver de outro modo.
Não sei de que estava à espera. Talvez somente dessa intensidade de vivência que é a condensação suprema das aspirações da juventude. Mas fossem quais fossem as minhas expectativas concretas, o certo é que não contava ser assaltado pelos tufões. Estava informado bem demais para isso. Não há tufões no golfo do Sião. Porém, não esperava igualmente ver-me ligado de pés e mãos até àquele ponto a que me via chegar à medida que passavam os dias.
Não era que o destino adverso nos conservasse numa imobilidade absoluta e permanente. Havia correntes enigmáticas que nos conduziam à deriva por aqui e por ali, com uma força insidiosa que se manifestava através das transformações que imprimia à aparência das ilhas que bordam a costa oriental do golfo. Sopravam também ventos enganadores e volúveis. Despertavam esperanças apenas para as converterem na mais amarga desilusão, promessas de avanço que acabavam em novos atrasos no caminho, expirando em suspiros que se desfaziam na calma apodrecida, onde as correntes eram senhoras de tudo segundo a sua vontade... - a sua vontade inimiga.
A ilha de Kohring, grande esqueleto montanhoso, negro, dominador, a meio de uma multiplicidade de ilhotas minúsculas, reclinada sobre as águas de vidro como um tritão entre os peixes pequenos, parecia o centro de um círculo fatal. Dir-se-ia impossível sairmos dele. Conservava-se diante dos nossos olhos de dia para dia. Mais do que uma vez, com o vento a soprar de feição, assinalei a ilha ao refluxo veloz do pôr do sol, pensando que o estava a fazer pela última vez.