A Confissão de Lúcio - Cap. 3: CAPÍTULO 1 Pág. 20 / 93

carne que o fogo penetrara… E numa ânsia de se extinguir, possessa, a fera nua mergulhou… Mas quanto mais se abismava, mais era lume ao seu redor…

…Até que por fim, num mistério, o fogo se apagou em ouro e, morto, o seu corpo flutuou heráldico sobre as águas douradas - tranquilas, mortas também.

* * *

A luz normal regressara. Era tempo. Mulheres debatiam-se em ataques de histerismo; homens, de rostos congestionados, tinham gestos incoerentes…

As portas abriram-se e nós mesmos, perdidos, sem chapéus - encontramo-nos na rua, afogueados, perplexos… O ar fresco da noite, vergastando-nos, fez-nos despertar, e como se chegássemos de um sonho que os três houvéssemos sonhado - olhamo-nos inquietos, num espanto mudo. Sim, a impressão fora tão forte, a maravilha tão alucinadora, que não tivemos ânimo para dizer uma palavra.

Esmagados, aturdidos, cada um de nós voltou para sua casa…

Na tarde seguinte - ao acordar de um sono de onze horas - eu não acreditava já na estranha orgia: A Orgia do Fogo, como Ricardo lhe chamou depois.

Saí. Jantei.

Quando entrava no Café Riche, alguém me bateu no ombro:

- Então como passa o meu amigo? Vamos, as suas impressões?

Era Ricardo de Loureiro.

Falamos largamente acerca das extraordinárias coisas que presenciáramos. E o poeta concluiu que tudo aquilo mais lhe parecia hoje uma visão de onanista genial do que a simples realidade.

* * *

Quanto à americana fulva, não a tornei a ver. O próprio Gervásio deixou de falar nela. E, como se se tratasse de um mistério de Além a que valesse melhor não aludir - nunca mais nos referimos à noite admirável.

Se a sua lembrança me ficou para sempre gravada, não foi por a ter vivido - mas sim porque, dessa noite, se originava a minha amizade com Ricardo de Loureiro.





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