CAPÍTULO 6 Mais e mais a minha tortura se exacerbava cada noite. E embora visse claramente que todo o meu sofrimento, todos os meus receios provinham só de obsessões destrambelhadas e que, portanto, motivo algum havia para eu os ter - o certo é que, pelo menos, uma certeza lúcida me restava pressentida fosse como fosse, havia em todo o caso um motivo real no arrepio de medo que me varava a todo o instante. Seriam destrambelhadas as minhas obsessões - ah! mas eram justos, no fundo, os meus receios.
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Os nossos encontros prosseguiam sempre todas as tardes em minha casa, e eu hoje esperava, tremendo, a hora dos nossos amplexos. Tremendo e, ao mesmo tempo, a ansiar numa agonia aquilo que me fazia tremer.
Esquecera as minhas repugnâncias; o que me oscilava agora era outra dúvida: apesar de os nossos corpos se emaranharem, se incrustarem, de ela ter sido minha, toda minha - começou a parecer-me, não sei por que, que nunca a possuíra inteiramente: mesmo que não era possível possuir aquele corpo inteiramente por uma impossibilidade física qualquer: assim como se ela fosse do meu sexo!
E ao penetrar-me esta ideia alucinadora, eu lembrava-me sempre de que o beijo de Ricardo, esse beijo masculino, me soubera às mordeduras de Marta; tivera a mesma cor, a mesma perturbação.
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Passaram-se alguns meses.
Entre períodos mais ou menos tranquilos, o tempo ia agora seguindo. Eu olvidava a minha inquietação, o meu mistério, elaborando um novo volume de novelas - o último que devia escrever…
Meus tristes sonhos, meus grandes cadernos de projetos - acumulei-vos… acumulei-vos numa ascensão, e por fim tudo ruiu em destroços… Etéreo construtor de torres que nunca se erguem, de catedrais que nunca se sagraram… Pobres