Com efeito, nunca me vi "admitido” em parte alguma. Nos próprios meios onde me tenho embrenhado, não sei por que senti me sempre um estranho…
"E é terrível: martiriza-me por vezes este meu condão. Assim, se eu não vejo erguida certa obra cujo plano me entusiasma, é seguro que a não consigo lançar, e que depressa me desencanto da sua ideia - embora, no fundo. a considere admirável.
"Enfim, para me entender melhor: esta sensação é semelhante, ainda que de sentido contrário, a uma outra em que provavelmente ouviu falar - que talvez mesmo conheça -, a do já visto. Nunca lhe sucedeu ter visitado pela primeira vez uma terra, um cenário, e - numa reminiscência longínqua, vaga, perturbante - chegar-lhe a lembrança de que, não sabe quando nem onde, já esteve naquela terra, já contemplou aquele cenário?…
"É possível que o meu amigo não atinja o que há de comum entre estas duas ideias. Não lhe sei explicar - contudo pressinto, tenho a certeza, que essa relação existe.
Respondi divagando, e o poeta acrescentou:
- Mas ainda lhe não disse o mais estranho. Sabe? É que de maneira alguma me concebo na minha velhice, bem como de nenhuma forma me vejo doente, agonizante. Nem sequer suicidado - segundo às vezes me procuro iludir. E creia, é tão grande a minha confiança nesta superstição que - juro-lhe - se não fosse haver a certeza absoluta de que todos morremos, eu, não me “vendo" morto, não acreditaria na minha morte…
Sorri da vontade.
Vagos conhecidos entravam no café onde tínhamos abancado. Sentaram-se junto de nós e, banal e fácil, a conversa deslizou noutro plano.
* * *
Outras vezes também, Ricardo surgia-me com revelações estrambóticas que lembravam um pouco os esnobismos de Vila-Nova. Porém, nele, eu sabia que tudo isso era verdadeiro, sentido.