Capítulo 26: CAPÍTULO XXIV - Em que se prossegue a aventura da Serra Morena.
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” Chegou o prazo da minha partida; falei uma noite com Lucinda; disse-lhe tudo que era passado, e o mesmo fiz ao pai dela, suplicando-lhe demorasse por alguns dias o dar estado à filha, até que eu fosse saber o que o Duque Ricardo me queria; prometeu-mo ele, e ela da sua parte mo confirmou também com mil juramentos e mil delíquios. Cheguei enfim onde era o Duque; fui dele tão bem recebido e tratado, que desde logo começou a inveja a fazer o seu costume. Tinham-ma os criados antigos, por lhes parecer que as mostras que o Duque dava de me fazer mercê haviam de redundar em prejuízo deles. Quem mais folgou com a minha entrada em casa foi um filho segundo do Duque, chamado Fernando, moço galhardo, gentil-homem, liberal, e enamorado, o qual dentro em pouco tanto quis que eu a ele me afeiçoasse, que a todos dava em que falar; e ainda que o morgado me queria bem, e me fazia mercê, não chegava, mesmo assim, ao extremo com que D. Fernando me queria e tratava. É o caso que, não havendo entre amigos segredos que se não comuniquem (e a privança, que eu com D. Fernando tinha, já era verdadeira intimidade), todos os seus pensamentos me declarava ele, especialmente um de enamorado, que o trazia em grande desassossego. Queria ele a uma lavradora, vassala do pai, mas filha de gente muito rica, e tão formosa, recatada, discreta e honesta, que ninguém dentre os que a conheciam diria ao certo em qual destas qualidades se avantajasse. Estes dotes da formosa lavradora a tal ponto levaram os desejos de D. Fernando, que se determinou, para alcançá-la, e conquistar-lhe a inteireza, a dar-lhe palavra de casar com ela, porque de outra maneira fora impossível possuí-la. Eu, obrigado da amizade que lhe professava, forcejei por dissuadi-lo de tal propósito com as melhores razões que soube e com os mais frisantes exemplos que pude.
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