- Zangar-me com o senhor? Na verdade nem sequer pensei nisso. Mas tem a certeza absoluta?
- Já não tenho a mínima dúvida. Sou seu devedor, meu caro sobrinho, como nunca o fui para alguém, e não esperava! Que posso fazer por si que esteja em proporção com o serviço que acaba de prestar-me? Foi a Providência que o enviou em meu socorro. Salvou ao mesmo tempo a minha razão e a minha vida. E a minha mulher! Ela definhava a olhos vistos. Nunca teria acreditado que um ser humano pudesse livrar-me deste fardo!
Pegou-me na mão e apertou-a convulsivamente entre as suas.
- Não passava de uma experiência, de uma aventura desesperada - disse eu -, mas sinto-me feliz, do fundo do coração, por ter resultado. Como sabe que o truque funcionou? Viu alguma coisa?
Ele sentou-se na borda da minha cama.
- Vi o suficiente - respondeu-me. O suficiente para ter a certeza de que nunca mais serei perturbado por este hindu. Vou contar-lhe o que se passou. Chegou esta noite à hora habitual, e ele sacudiu-me com mais veemência do que de costume. Suponho que a decepção da véspera lhe aumentara a cólera. Depois de me ter fitado com olhos maldosos, partiu para o seu passeio de todas as noites. Mas, decorridos alguns minutos, voltou ao meu quarto, pela primeira vez desde o começo da sua perseguição. Sorria. Vi reluzirem-lhe os dentes brancos. Manteve-se à minha frente aos pés da cama, depois por três vezes, dirigiu-me a profunda salama oriental que é a maneira solene de se despedirem. Na terceira vez, levantou os braços acima da cabeça; vi as suas duas mãos no ar. E desapareceu, creio que, para sempre.
Foi esta a estranha aventura que me ganhou a afeição e a gratidão do meu tio, o célebre médico das Índias. As suas previsões realizaram-se: nunca mais foi incomodado pelo montanhês ambulante em busca da mão ausente.