O Crime do Padre Amaro - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 15 / 478

- Foi o ar da serra, dizia o pároco, fez-me bem! - Contou então a sua triste existência em Feirão, na alta Beira, durante a aspereza do Inverno, só com pastores. O cônego deitava-lhe o vinho de alto, fazendo-o espumar.

- Pois é beber-lhe, homem! é beber-lhe! Desta gota não pilhava você no seminário.

Falaram do seminário.

- Que será feito do Rabicho, o despenseiro? disse o cônego.

- E do Carocho, que roubava as batatas?

Riram; e bebendo, na alegria das reminiscências, recordavam as histórias de então, o catarro do reitor, e o mestre do cantochão que deixara um dia cair do bolso as poesias obscenas de Bocage.

- Como o tempo passa, como o tempo passa! diziam.

A S. Joaneira então pôs na mesa um prato covo com maçãs assadas.

- Viva! Não, lá nisso também eu entro! exclamou logo o cônego. A bela maçã assada! nunca me escapa! Grande dona de casa, meu amigo, rica dona de casa, cá a nossa S. Joaneira! Grande dona de casa!

Ela ria; viam-se os seus dois dentes de diante, grandes e chumbados. Foi buscar uma garrafa de vinho do Porto; pôs no prato do cônego, com requintes devotos, uma maçã desfeita, polvilhada de açúcar; e batendo-lhe nas costas com a mão papuda e mole:

- Isto é um santo, senhor pároco, isto é um santo! Ai! devo-lhe muitos favores!

- Deixe falar, deixe falar, dizia o cônego. - Espalhava-se-lhe no rosto um contentamento baboso. - Boa gota! acrescentou, saboreando o seu cálice de Porto. Boa gota!

- Olhe que ainda é dos anos da Amélia, senhor cônego.

- E onde está ela, a pequena?

- Foi ao Morenal com a D. Maria. Aquilo naturalmente foram para casa das Gansosos passar a noite.

- Cá esta senhora é proprietária, explicou o cônego, falando do Morenal. É um condado! - Ria com bonomia, e os seus olhos luzidios percorriam ternamente a corpulência da S. Joaneira.





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