O Crime do Padre Amaro - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 259 / 478

Positivamente o administrador não tinha a capacidade necessária para salvar Leiria dos perigos da revolução! Bem se dizia na Arcada - era uma bambocha!

A porta do gabinete entreabriu-se, e as lunetas do administrador reluziram.

- Ó Sr. Domingos, faz favor, vem-nos falar? disse sua excelência.

O escrivão apressou-se com importância; e a porta cerrou-se de novo, confidencialmente. Ah! aquela porta, fechada diante dele, deixando-o de fora, indignava o Carlos. Ali ficava, com o Pires, com o Artur, entre as inteligências subalternas, ele que prometera à Amparozinho falar de alto ao administrador! E quem era ouvido, e quem era chamado? O Domingos, um animal notório, que começava satisfação com c cedilhado! Que se podia de resto esperar duma autoridade que passava as manhãs de binóculo a desonrar uma família? Pobre Teles, seu vizinho, seu amigo!... Não, realmente devia falar ao Teles!

Mas a sua indignação cresceu, quando viu o Artur Couceiro, um empregado da repartição, na ausência do seu chefe, erguer-se da sua escrivaninha, vir familiarmente junto do réu, dizer-lhe com melancolia:

- Ah, João, que rapaziada, que rapaziada!... Mas a coisa arranja- se, verás!

João tinha encolhido tristemente os ombros. Havia meia hora que ali estava, sentado à beira daquele banco, sem se mexer, sem despregar os olhos do soalho, sentindo-se interiormente tão vazio de ideias, como se lhe tivessem tirado os miolos. Todo o vinho, que na taberna do Osório e no Largo da Sé lhe acendia na alma fogachos de cólera, lhe retesava os pulsos num desejo de desordem, parecia subitamente eliminado do seu organismo.





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