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- Mas que mal me pode suceder?
E erguendo-se, indo de um móvel a outro, numa excitação:
- É o meu único parente. Fomos criados ambos; brincávamos juntos. Em casa de mamã, na Rua da Madalena, estava lá sempre. Ia lá jantar todos os dias. fôssemos irmãos. Em pequena trazia-me ao colo...
E amontoava detalhes daquela fraternidade, exagerando uns, inventando acaso, na improvisação da cólera.
- Vem aqui - acrescentava - está um bocado; fazemos música; ele toca ente, fuma um charuto, vai-se...
Instintivamente justificava-se.
Sebastião estava sem idéia, sem resolução. Parecia-lhe aquela uma outra Luísa, diferente, que o assustava; e quase curvava os ombros sob a estridência da sua voz, que nunca conhecera tão forte, vibrando numa loquacidade trapalhona.
Erguendo-se enfim, disse com uma dignidade melancólica:
- Eu entendi que era o meu dever, minha senhora.
Fez-se um silêncio grave. Aquele tom sóbrio, quase severo, obrigou-a a corar um pouco dos seus espalhafatos; baixou os olhos; disse embaraçada:
- Perdoe, Sebastião! Mas realmente!... Não, acredite, juro-lhe, estou-lhe muito obrigada em me avisar. Fez muito bem Sebastião!
Exclamou logo, vivamente:
- Para evitar qualquer calúnia dessas línguas danadas! Pois não é verdade?
Justificou então a sua intervenção, com muita amizade: às vezes por uma palavra arma-se uma intriga, e quando uma pessoa está prevenida...
- Decerto, Sebastião! - repetiu ela. - Fez perfeitamente bem em me avisar. Decerto!
Tinha-se sentado; o olhar reluzia-lhe febrilmente; e a cada momento limpava com o lenço os cantos secos da boca.
- Mas que hei de eu fazer, Sebastião! Diga!
Ele comovia-se agora de a ver assim ceder, aconselhar-se, quase lamentava gravidade das suas advertências, perturbar a alegria das suas intimidades.