- E estou também com vontade de ir rezar uma estaçãozinha, para aliviar cá por dentro - ajuntou, suspirando.
Luísa aceitou. Apetecia-lhe ir ver altares alumiados, ouvir o ciciar de rezas no coro, como se os requintes devotos dissessem bem com as suas disposições sentimentais. Começou a vestir-se depressa.
- Como tu estás gorda, filha! - exclamou D. Felicidade admirada, vendo-lhe os ombros, o colo.
Luísa diante do espelho olhava-se, sorria com o seu sorriso quente, contente das suas linhas, acariciando devagarinho, voluptuosamente, a pele branca e fina.
- Redondinha - disse, namorando-se.
- Redondinha? Vais-te a fazer uma bola!
E acrescentou, tristemente:
- Também com a tua vida, um marido como o teu, regaladinha, sem filhos, sem cuidados...
- Vamos lá, minha rica - disse Luísa -, que as tristezas não te têm feito emagrecer.
- Pois sim, pois sim! Mas... - e parecia desolada, como curvada sob as suas próprias ruínas - cá por dentro é uma desgraça, estômago, fígado...
- Se a mulher de Tui faz o milagre, põe tudo isso como novo!
Felicidade sorriu, com uma dúvida desconsolada.
- Sabes que tenho um chapéu lindo? - exclamou de repente Luísa. - Não viste? Lindo!
Foi logo buscá-lo ao guarda-vestidos. Era de palha fina, guarnecido de miosótis.
- Que te parece?
- É um primor!
Luísa mirava-o dando pancadinhas com as pontas dos dedos nas florzinhas azuis.
- Dá frescura - fez D. Felicidade.
- Não é verdade?
Pô-lo com muito cuidado, toda séria. Ficava-lhe bem! Basílio se a visse havia gostar, pensou. Era bem possível que o encontrassem...
- Veio-lhe, sem motivo, uma felicidade exuberante; achava tão delicioso viver, sair, ir à Encarnação, pensar no seu amante!.