O Primo Basílio - Cap. 10: CAPÍTULO X Pág. 280 / 414

Contou o caso, todavia, rindo, um domingo à noite. O Conselheiro observou logo.

- Com o bom génio de D. Luísa, com o seu, Jorge, neste bairro saudável, numa casa sem escândalos, sem questões de família, toda virtude, é natural que a criadagem menos favorecida aspire a uma posição tão agradável.

- Somos os amos ideais! - disse Jorge, batendo muito alegre no ombro.

A casa, com efeito, tornava-se agradável. Juliana exigira que o jantar fosse mais largo (para ter uma parte sua, sem sobejos), e como era boa cozinheira, vigiava os fogões, provava, ensinava pratos à Joana.

- Esta Joana é uma revelação - dizia Jorge - vê-se-lhe crescer o talento.

Juliana, bem alojada, bem alimentada, com roupa fina sobre a pele, colchões macios, saboreava a vida; o seu temperamento adoçara-se naquelas abundâncias; depois, bem aconselhada pela tia Vitória, fazia o seu serviço com um zelo minucioso e hábil. Os vestidos de Luísa andavam cuidados como relíquias. Nunca os peitilhos de Jorge tinham resplandecido tanto! O sol de outubro alegrava a casa, muito asseada, de uma pacatez de abadia. Até o gato engordava.

E no meio daquela prosperidade - Luísa definhava-se. Até onde iria a tirania de Juliana? Era agora o seu terror. E como a odiava! Seguia-a por vezes com um olhar tão intensamente rancoroso, que receava que ela se voltasse subitamente, como ferida pelas costas. E via-a satisfeita, cantarolando a Carta Adorada, dormindo em colchões tão bons como os seus, pavoneando-se na sua roupa, reinando na sua casa! Era justo, justos céus?

Às vezes vinha-lhe uma revolta, torcia os braços, blasfemava, debatia-se na sua desgraça, como nas malhas de uma rede; mas, não encontrando nenhuma solução, recaía numa melancolia áspera - em que o seu génio se pervertia.





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