- Não o tinha visto bem, Domingos, disse Carlos. O patamar é um pouco escuro... Lembro-me perfeitamente... E então Você agora aqui, hein? E está contente?
- Eu parece-me que estou muito contente, meu senhor... O Sr. Cruges também mora cá por cima...
- Bem sei, bem sei...
- Tenha V. Ex.ª a paciência de esperar um instantinho que eu vou dar parte à Sr.ª D. Maria Eduarda...
Maria Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela; e pareceu-lhe perfeito, condizendo bem com a sua beleza serena. Maria Eduarda, Carlos Eduardo... Havia uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seus destinos!
Domingos, no entanto, já à porta da sala, com a mão no reposteiro, parou ainda, para dizer num tom de confidência e sorrindo:
- É a governante inglesa que está doente...
- Ah! É a governante?
- Sim, meu senhor, tem uma febrezita desde ontem, peso no peito...
- Ah!...
O Domingos deu outro movimento lento ao reposteiro, sem se apressar, contemplando Carlos com admiração:
- E o avozinho de V. Ex.ª passa bem?
- Obrigado, Domingos, passa bem.
- Aquilo é que é um grande senhor!... Não há, não há outro assim em Lisboa!
- Obrigado, Domingos, obrigado...
Quando ele finalmente saiu, Carlos, tirando as luvas, deu uma volta curiosa e lenta pela sala. O soalho fora esteirado de novo. Ao pé da porta havia um piano antigo de cauda, coberto com um pano alvadio; sobre uma estante ao lado, cheia de partituras, de músicas, de jornais ilustrados, pousava um vaso do Japão onde murchavam três belos lírios brancos; todas as cadeiras eram forradas de reps vermelho; e aos pés do sofá estirava-se uma velha pele de tigre.