VIIPontual, às sete horas, o escudeiro acordou Ega. Ao rumor da porta ele sentou-se na cama um salto - e logo todos os negros cuidados da véspera, Carlos, a irmã, a felicidade daquela casa acabada para sempre, se lhe ergueram na alma em sobressalto, como despertando também. A portada da varanda ficara aberta; um ar silencioso e lívido de madrugada clareava através do transparente de fazenda branca. Durante um momento Ega ficou olhando em redor, arrepiado; depois, sem coragem, remergulhou nos lençóis, gozando aquele bocado de calor e de conchego antes de ir afrontar fora as amarguras do dia.
E pouco a pouco, sob o tépido conchego dos cobertores em que se atabafara, começou a afigurar-se-lhe menos urgente, e menos útil, essa correria estremunhada a casa do Vilaça... De que servia procurar o Vilaça? Não se tratava ali de dinheiro, nem de demandas, nem de legalidade - de nada que reclamasse a experiência de um procurador. Era apenas introduzir um burguês mais num segredo tão terrivelmente delicado que ele mesmo se assustava de o saber. E acochado mais sob a roupa, apenas com o nariz ao frio, murmurava consigo: «É uma tolice ir ao Vilaça!»
De resto não poderia ele ajuntar em si bastante coragem para contar tudo a Carlos, logo, nessa manhã, claramente, virilmente? Era por fim aquele caso tão pavoroso como lhe parecera na véspera - um irreparável desabamento de uma vida de homem?... Ao pé da quinta da mãe, em Celorico, no lugar de Vouzeias, houvera um sucesso parecido, dois irmãos que inocentemente iam casar. Tudo se aclarou ao reunirem-se os papeis para os banhos. Os noivos ficaram uns dias «embatucados», como dizia o padre Serafim; mas por fim já riam, muito amigos, muito divertidos, quando se tratavam de «manos». O noivo, um rapagão bonito, contava depois «que ia havendo uma mixórdia na família». Aqui o engano seguira mais longe, as sensibilidades eram mais requintadas; mas os seus corações permaneciam livres de toda a culpa, inocentes absolutamente.