Livro Segundo
I Na manhã seguinte, Carlos, que se erguera cedo, veio a pé do Ramalhete até à rua de S. Francisco, a casa de Madame Gomes. No patamar, onde morria em penumbra a luz distante da claraboia, uma velha de lenço na cabeça, encolhida num chalézinho preto, esperava, sentada melancolicamente ao canto do banco de palhinha. A porta aberta mostrava uma parede feia de corredor, forrada de papel amarelo. Dentro um relógio ronceiro estava batendo dez horas.
- A senhora já tocou? perguntou Carlos, erguendo o chapéu.
A velha murmurou, dentre a sombra do lenço que lhe caía para os olhos, num tom cansado e doente:
- Já, sim, meu senhor. Já fizeram o favor de me falar. O criado, o Sr. Domingos, não tarda...
Carlos esperou, passeando lentamente no patamar. Do segundo andar vinha um barulho alegre de crianças brincando; por cima, o moço do Cruges esfregava a escada com estrondo, assobiando desesperadamente o fado. Um longo minuto arrastou-se, depois outro, infindável. A velha, dentre a negrura do lenço, deu um suspirozinho abatido. Lá ao fundo um canário rompera a cantar; e então Carlos, impaciente, puxou o cordão da campainha.
Um criado de suíças ruivas, correctamente abotoado num jaquetão de flanela, apareceu correndo, com uma travessa na mão, abafada num guardanapo; e ao ver Carlos ficou tão atarantado, bambaleando à porta, que um pouco de molho de assado escorregou, caiu sobre o soalho.
- Oh Sr. D. Carlos Eduardo, faz favor de entrar!... Ora esta! Tem a bondade de esperar um instantinho, que eu abro já a sala... Tome lá, Sr.ª Augusta, tome lá, olhe não entorne mais! A senhora diz que lá manda logo o vinho do Porto... Desculpe V. Ex.ª, Sr. D. Carlos... Por aqui, meu senhor...
Correu um reposteiro de reps vermelho, introduziu Carlos numa sala alta, espaçosa, com um papel de ramagens azuis, e duas varandas para a rua de S. Francisco; e erguendo à pressa os dois transparentes de paninho branco, perguntava a Carlos se s. Ex.ª não se lembrava já do Domingos.