VIIINa manhã seguinte, às oito horas pontualmente, Carlos parava o break na rua das Flores, diante do conhecido portão da casa do Cruges. Mas o trintenário, que ele mandara acima bater à campainha do terceiro andar, desceu com a estranha nova de que o Sr. Cruges já não morava ali. Onde diabo morava então o Sr. Cruges? A criada dissera que o Sr. Cruges vivia agora na rua de S. Francisco, quatro portas adiante do Grémio. Durante um momento, Carlos, desesperado, pensou em partir só para Sintra. Depois lá largou para a rua de S. Francisco, amaldiçoando o maestro, que mudara de casa sem avisar, sempre vago, sempre tenebroso!... E era em tudo assim. Carlos nada sabia do seu passado, do seu interior, das suas afeições, dos seus hábitos. O marquês uma noite levara-o ao Ramalhete, dizendo ao ouvido de Carlos que estava ali um génio. Ele encantara logo todo o mundo pela modéstia das suas maneiras e a sua arte maravilhosa ao piano: e todo o mundo no Ramalhete começou a tratar Cruges por maestro, a falar também do Cruges como de um génio, a declarar que Chopin nunca fizera obra igual à Meditação de Outono do Cruges. E ninguém sabia mais nada. fora pelo Dâmaso que Carlos conhecera a casa do Cruges e soubera que ele vivia lá com a mãe, uma senhora viúva, ainda fresca, e dona de prédios na Baixa.
Ao portão da rua de S. Francisco, Carlos teve de esperar um quarto de hora. Primeiro apareceu furtivamente ao fundo da escada uma criada em cabelo, que espreitou o break, os criados de farda, e fugiu pelos degraus acima. Depois veio um criado em mangas de camisa trazer a maleta do senhor e um xaile-manta. Enfim, o maestro desceu, a correr, quase aos trambolhões, com um cachenés de seda na mão, o guarda-chuva debaixo do braço, abotoando atarantadamente o paletó.
Quando vinha pulando os últimos degraus, uma voz esganiçada de mulher gritou-lhe de cima:
- Olha não te esqueçam as queijadas!