Os Maias - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 533 / 630

E levantando a mão num gesto demorado e largo:

Era num parque. O luar

Sobre os vastos arvoredos,

Cheios de amor e segredos...

- Que lhe disse eu? exclamou o Ega, tocando no cotovelo do marquês. É sentimento... Aposto que é o festim!

E era com efeito o festim, já cantado na flor de Martírio, festim romântico, num vago jardim onde vinhos de Chipre circulam, caudas de brocado rojam entre maciços de magnólias, e das águas do lago sobem cantos ao gemer dos violoncelos... Mas bem depressa transpareceu a severa ideia social da Poesia. Enquanto, sob as árvores radiantes de luar, tudo são «risos, brindes, lascivos murmúrios» - fora, junto às grades douradas do parque, assustada com o latir dos molossos, uma mulher macilenta, em farrapos, chora, aconchegando ao seio magro o filho que pede pão... E o poeta, sacudindo os cabelos para traz, perguntava porque havia ainda esfomeados neste orgulhoso século XIX? De que servira então, desde Spartacus, o esforço desesperado dos homens para a Justiça e para a Igualdade? De que servira então a cruz do grande Mártir, erguida além na colina, onde, por entre os abetos:

Os raios do sol se somem,

O vento triste se cala...

E as aguias revolteando

Dentre as nuvens estão olhando

Morrer o filho do Homem!

A sala permanecia muda e desconfiada. E o Alencar, com as mãos tremendo no ar, desolava-se de que todo o Génio das gerações fosse impotente para esta coisa simples - dar pão à criança que chora!

Martyrio do coração!

Espanto da consciência!

Que toda a humana ciência

Não solva a negra questão!

Que os tempos passem e rolem

E nenhuma luz assome,

E eu veja de um lado a fome

E do outro a indigestão!

Ega torcia-se, fungando dentro do lenço, jurando que rebentava. «E do outro a indigestão!» Nunca, nas alturas líricas, se gritara nada tão extraordinário!





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