O Retrato de Dorian Gray - Cap. 19: Capítulo 19 Pág. 302 / 335

Se nos canteiros se houvesse notado pegadas, os jardineiros haver-lho-iam comunicado. Sim, fora apenas a sua imaginação. O irmão de Sibyl Vane não voltara para o matar. Partira no seu navio para soçobrar em algum mar proceloso. Daquele, houvesse o que houvesse, estava livre. O homem não sabia, nem podia saber quem ele era. Salvara-o a máscara da mocidade.

E, contudo, se fora apenas uma ilusão, que terrível era pensar que a consciência podia elaborar tão medonhos fantasmas, dar-lhes forma visível, fazê-los mover-se ante os nossos olhos! Que vida iria ser a sua, se, dia e noite, as sombras do seu crime o espreitassem dos recantos silenciosos, escarnecessem dos lugares secretos, lhe cochichassem ao ouvido no meio duma festa, o despertassem com dedos álgidos, quando estivesse a dormir! Quando este pensamento se lhe insinuava no cérebro, empalidecia de terror, e o ar parecia-lhe arrefecer de repente. Oh! em que desvairada hora de loucura matara o seu amigo! Como o espavoria só o recordar-se da cena! Via-a de novo em todas as suas minudências, que, ao evocá-las, mais horrorosas ainda se lhe afiguravam. Da negra caverna do Tempo, surgia a imagem do seu pecado, terrível e envolta em panos escarlates. Quando, às seis horas, Lord Henry chegou, encontrou-o a chorar, como se o coração se lhe estivesse partindo.





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