O Bobo - Cap. 1: I - Introdução Pág. 2 / 191

Esperava por um lado que a energia e severidade do novo príncipe contivesse as perturbações intestinas, e por outro lado que, ilustre já nas armas, não deixaria folgar os ismaelitas com a notícia da morte daquele que por tantos anos lhes fora flagelo e destruição. Os acontecimentos posteriores provaram, todavia, mais uma vez, quanto podem falhar todas as previsões humanas. A história do governo de D. Urraca, se tal nome se pode aplicar ao período do seu predomínio, nada mais foi do que um tecido de traições, de vinganças, de revoluções e lutas civis, de roubos e violências. A dissolução da rainha, a sombria ferocidade do marido, a cobiça e orgulho dos próceres do reino convertiam tudo num caos, e a guerra civil, deixando respirar os muçulmanos, rompia a cadeia de triunfos da sociedade cristã, à qual tanto trabalhara por dar unidade o hábil Afonso VI. As províncias já então libertadas do jugo ismaelita não tinham ainda, digamos assim, senão os rudimentos de uma nacionalidade. Faltavam-lhes, ou eram débeis, grande parte dos vínculos morais e jurídicos que constituem uma nação, uma sociedade. A associação do rei aragonês no trono de Leão não repugnava aos barões leoneses por ele ser um estranho, mas porque a antigos súbditos do novo rei se entregavam de preferência as tenências e alcaidarias da monarquia. As resistências, porém, eram individuais, desconexas, e por isso sem resultados definitivos, efeito natural de instituições públicas viciosas ou incompletas. O conde ou rico homem de Oviedo ou de Leão, da Estremadura ou de Galiza, de Castela ou de Portugal referia sempre a si, às suas ambições, esperanças ou temores os resultados prováveis de qualquer sucesso político, e aferindo tudo por esse padrão procedia em conformidade com ele. Nem podia ser de outro modo. A ideia de nação e de pátria não existia para os homens de então do mesmo modo que existe para nós. O amor cioso da própria autonomia que deriva de uma concepção forte, clara, consciente, do ente colectivo, era apenas, se era, um sentimento frouxo e confuso para os homens dos séculos XI e XII. Nem nas crónicas, nem nas lendas, nem nos diplomas se encontra um vocábulo que represente o Espanhol, o indivíduo da raça godo-romana distinto do Sarraceno ou Mouro. Acha-se o Asturiano, o Cantabro, o Galiciano, o Portugalense, o Castelhano, isto é, o homem da província ou grande condado; e ainda o Toledano, o Barcelonês, o Compostelano, o Legionense, isto é, o homem de certa cidade.





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