O rico-homem da Maia, fazendo rodar a viseira sobre o eixo que a segurava ao capelo de ferro, descobriu o rosto onde ainda se manifestavam os últimos sulcos das contracções de um grande furor, como ainda depois de aquietada a procela se agitam as últimas carneiradas do oceano revolto. Pôs depois um joelho no chão e beijou a mão da infanta, em cujos lábios vagava o costumado sorriso. A infanta, pegando então na taça, entregou-a ao cavaleiro. – Como sempre, nobre senhor da Maia – disse ela, ao passo que Gonçalo entregava a dádiva da rainha ao seu escudeiro, que viera colocar-se atrás dele ao sopé do escano real.
– Como nas batalhas do conde Henrique: Deus tenha sua alma. Como nas batalhas com os agarenos e ismaelitas, em que sempre vos vi combater por mim e pela terra de Portugal. Sempre a primeira lança; sempre a primeira espada.
– Enquanto o braço que as meneia não adormecer na morte, podeis, senhora, contar com essa lança e com essa espada para a defesa da livre terra portugalense, não só contra os infiéis agarenos, mas também contra qualquer estrangeiro que quiser avassalá-la.
Na voz do rico-homem havia um singular tremor ao proferir estas palavras. No rosto de D. Teresa continuava a deslizar o habitual sorriso. O conde de Trava mordia com mais força a guia do longo bigode que lhe sombreava os lábios.
Porém as últimas palavras do Lidador mal se ouviram. Uma alarida de brados, de silvos, de risadas estrondosas, conglobados num estrépido semelhante ao de procela desfeita, levantando-se dentre as multidões apinhadas além da teia, começara a atroar os ares. A turbamulta remoinhava e (…)