O conde viu duas lágrimas bailarem sob as pálpebras do cavaleiro. Parou espantado. Era inaudito, monstruoso, impossível o que via. Nunca a dor de feridas, a sede nos desertos, a fome nos castelos sitiados, e até a morte de amigos queridos no campo de batalha lhas haviam arrancado. Ocorreu-lhe então um pensamento súbito, porque Fernando Peres era hábil em conhecer os afectos humanos. Parou, e, cravando a vista de lince no rosto de Garcia Bermudes, disse-lhe no tom firme e positivo de quem descobrira um segredo:
– Garcia, tu és infeliz pelo amor!
O cavaleiro corou levemente e, com a voz afogada, respondeu:
– É verdade!
O conde sabia que ele amava Dulce: toda a corte o sabia. Fernando Peres folgava com a ideia de prender por laços mais fortes que os da amizade aquele esforçado homem de guerra à fortuna de D. Teresa e à sua. Dulce seria disso um penhor, e a afeição particular que ela mostrava ao cavaleiro persuadira o conde e a infanta de que os seus intentos e desejos seriam brevemente cumpridos. A tristeza de Garcia, a que não achava outra razão possível depois de um sarau a que tinham assistido tantos cavaleiros mancebos e gentis-homens, lhe fez crer que entre os dois amantes se alevantara alguma destas procelas com que o suão mirrador do ciúme costuma entenebrecer às vezes o céu risonho desta quadra da vida tão bela e tão passageira. A resposta de Garcia o confirmou nesta ideia.
– Dulce traiu-te, pois? – prosseguiu o conde sem tirar dele os olhos.
– Não – replicou o cavaleiro –, porque nunca fui amado por ela! Estas palavras eram uma fria e morta expressão, como para representar paixões violentas o é sempre a linguagem dos homens; e todavia no acento com que haviam sido proferidas revelava-se bem o martírio atroz do orgulho ofendido e do amor desprezado que ralava o coração de Garcia.