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Capítulo 5: V - A madrugada

Página 40

O cavaleiro era de feito o valido de Fernando Peres. A amizade dos dois se travara e crescera na Palestina. Garcia salvara o conde em certo recontro no qual o filho de Pedro Froilaz, a pé e coberto de feridas, mal se defendia já com um troço de espada partida, da multidão dos sarracenos, que o cercavam. Desde então, companheiros de perigos e deleites, nunca mais se haviam separado. Era uma destas fraternidades de armas de que os tempos bárbaros nos oferecem tantos exemplos, porque ainda então existia a individualidade do homem de guerra, hoje completamente anulada pelo valor fictício a que chamamos disciplina.

Ao passar pelo burgo, o conde avistara o cavaleiro, de cujos olhos também fugira nessa noite o sono, posto que por bem diverso motivo. Pela primeira vez Fernando Peres de Trava desejou esconder ao seu amigo os pensamentos que lhe vagueavam no espírito. Todos eles se resolviam num sentimento único – o temor. Envergonhava- se de si mesmo, e não ousava confessar a fraqueza do seu coração àquele cujas faces nunca vira demudadas no meio dos maiores riscos. Procurando dar ao semblante carregado uma expressão de alegria, bradou de longe ao cavaleiro, que, embebido em cismar profundo, nem sequer sentira o tropear do ginete:

– Madrugador sois, Garcia Bermudes. Já vejo que ainda vos lembram as alvoradas de ultramar. Garcia sofreou a mula de corpo em que ia montado, e volveu para trás os olhos. No seu gesto estava impressa a mais profunda melancolia.

O conde esporeou o ginete até emparelhar com o cavaleiro, e estendeu a mão para ele.

Garcia Bermudes apertou-a na sua, e Fernando Peres sentiu que esta estava trémula e febril.

– À fé que mal te foi a noite passada: a tua mão é ardente; tens no rosto pintado o padecimento.

– Verdade é, nobre conde – respondeu tristemente o cavaleiro –; duas noites semelhantes à que passei, e estes cabelos estarão brancos, e este braço vergará como o de um velho ao sopesar a lança.

– Mas porque assim padecendo te diriges para a campina, húmida com o rocio da noite, quando talvez pudesses repousar agora no sono da madrugada?

– É porque busco o ar e a luz do céu como um refrigério; é porque sinto cá dentro um fogo que me devora, e preciso de respirar livre na solidão.

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pág. 40 (Capítulo 5)

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 40

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173