Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 6: CAPÍTULO II - PÁGINAS SÉRIAS DA MINHA VIDA Pág. 121 / 156

pode considerar-se providencial o pousio; mas um cidadão analfabeto, embrutecido pela melancolia, se a sua qualidade civil é importante como deve ser, pode prejudicar gravemente os interesses da cidade.

Ainda bem que a melancolia raro se atreve a perturbar o funcionalismo intelectivo de certas cabeças, cuja organização é maravilha. Daí provém a traça metódica e auspiciosa com que o homem supinamente ignorante regula os seus negócios. Há nessa cabeça a perene claridade de um fundo de garrafa de cristal. As ideias impedem-lhe congeladas da abóbada craniana como as estalactites de uma caverna. Dessa imobilidade imperturbável de cérebro resulta a fixidez da mira posta num alvo, a pertinácia das empresas e o conseguimento dos bons efeitos.

Ainda não vi tão cabal e logicamente explicado o fortunoso êxito de algumas riquezas granjeadas pela inépcia.

Não obstante, o número dos bastardos da fortuna é muito maior.

O leitor é de certo um dos que tem em cada dia uma hora de enojo, de quebranto, de melancolia, de concentração dolorosa, de desapego à vida, de misantropia e de diálogo terrível com o fantasma da aniquilação.

É para esse que eu vim, à hora decretada pela providência dos descobrimentos, com o coração a trasbordar de filantrópico júbilo, anunciar o antídoto contra a melancolia.

Bem pudera eu, à imitação de famigerados varões, apresentar, como de engenho meu, o invento da receita, que um obscuro químico deixou como legado de penosas lucubrações. Quem ele fosse não posso eu dizê-lo, porque o modesto inventor julgou-se um átomo da humanidade e, doando-lhe o seu óbolo de talento, não quis glorificar- se de um tesouro que não era mais que transitório depósito nas suas mãos.

Eis aqui a receita:

Junco cheiroso - onça e meia.





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