Escureceu; saí do quarto e desci as escadas. Ia assim como estou agora. Não levava comigo cinco réis, nem valor algum além de um vestido de casa que tinha no corpo. A meio das escadas, saiu-me o barão de uma sobreloja, travou-me pelo braço com mais amor que força e disse-me: ‘Onde vais, desgraçada?! Pensa bem no passo que vais dar. Contas com o caixeiro? Esse miserável é tão pobre como tu. Desde que saiu da minha casa, já me mandou pedir um empréstimo, que eu lhe dei como esmola. Nenhuma casa comercial o aceita sem as minhas informações; e eu, a quem mas pede, respondo que ele aniquilou a minha felicidade e desgraçou para sempre duas famílias. Serve-te assim o homem? Cuidas que o caixeiro irá pedir esmola para te sustentar? Irá; mas quem é que lha dá? E quando ele, cansado de humilhações e desonras, friamente olhar para ti e te julgar a causa da sua desgraça, há de aborrecer-te, odiar-te, e abandonar-te, e fugir de ti como quem foge do maior inimigo. Medita nisto, Marcolina. Perdoo-te o mal que me fizeste, esqueço tudo, peço-te mesmo perdão do que fiz hoje, alucinado pelo amor que te tenho. Ficas, Marcolina?
‘Não fico’, respondi, ‘nem vou procurar Augusto. Para desgraça, basta a minha. Vou ter com a minha irmã e de lá procurarei uma casa onde sirva.’
Lançou-se-me aos pés o barão, abraçou-me pela cintura abafado pelos soluços; disse-me até, no seu desvario, que iríamos para a França, e lá casaria comigo. Causou-me riso e compaixão este desatino!... Cedi, deixei-me ir quase nos braços dele até ao meu quarto. Parecia louco de alegria o pobre homem! Trouxe-me as jóias, tirou do dedo um grande brilhante, que ele chamou anel de casamento, e quis à força que eu o pusesse entre outros, posto que podia abranger três dos meus dedos.