Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 6: CAPÍTULO II - PÁGINAS SÉRIAS DA MINHA VIDA Pág. 95 / 156

Fez as delícias do esposo, e as próprias, comendo e dormindo para ter sempre as faculdades do coração em torpor. Enviuvou ao sétimo ano de casada, quando da sua primeira natureza já não tinha vislumbres. Soube então que era riquíssima e requerida pelos homens notáveis da terra, e continuou a comer e a dormir. Porém, como os pés lhe inchassem por falta de exercício, e os médicos a mandassem passear e agitar-se, a viúva apareceu de repente nos passeios, nos bailes e nos teatros, onde adormecia do segundo acto em diante. Dispararam-lhe à queima-roupa as mais incendiárias declarações, e ela ouviu-as a dormir, enquanto a não incomodaram. Depois, como a pusessem em cerco e não a deixassem tomar fôlego, a mulher despegou em despropósitos e rusticarias, que a tornaram mais amável aos concorrentes. Aqui está o que era a viúva.

Assestei o olhar à terceira, à menina que tinha aspeto de serafim de tribuna de igreja. Disseram-me logo que o Dr. Anselmo Sanches a requestava traiçoeiramente. Ora, o Dr. Anselmo Sanches era um homem honesto.

Convém saber que em toda a parte do mundo sublunar a honestidade soa como hipocrisia velhaca.

O homem honesto dali é o que logra embair a opinião pública; recatar a impudência com o exterior sisudo da catadura; acentuar a expressão no tom sentencioso do preceito; contar com a mobilidade do globo visual para o revirar ao céu, quando o ânimo afeta confranger-se com a notícia de um escândalo; franzir os beiços e avincar a testa, se é forçoso chancelar com voto cominativo a pena de alguma imoralidade a retalho.

Conheci alguns homens honestos no Porto. Custou-me muito. Venci, para vê-los ao pé, estorvos desanimadores. Fez-me mister iniciar-me nos arcanos da desonestidade para entrar no segredo de certas existências que, dantes, me pareciam bem fadadas da virtude, ou dotadas de compleição refratária ao vício.





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