O Crime do Padre Amaro - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 303 / 478

As senhoras tinham chegado as cadeiras, bebendo-lhe as palavras, numa curiosidade subitamente excitada, esperando ouvir a história picante de alguma façanha de Satanás. E o pároco continuou com uma voz a que o silêncio em redor dava solenidade:

- Ali está aquela rapariga, todo o santo dia, pregada na cama! Não sabe ler, não tem devoções habituais, não tem o costume da meditação; é por consequência, para empregar a expressão de S. Clemente - uma alma sem defesa. O que sucede? Que o demônio, que ronda constantemente e não perde dentada, estabelece-se ali como em sua casa! Por isso, como me dizia hoje o pobre tio Esguelhas, são frenesis, desesperos, furores sem razão... Enfim o pobre homem tem a vida estragada.

- E a dois passos da igreja do Senhor! exclamou D. Maria da Assunção, indignada daquela impudência de Satanás, instalando-se num corpo, num leito, que apenas a estreiteza do pátio separava dos contrafortes da Sé.

Amaro acudiu:

- Tem a D. Maria razão. O escândalo é enorme. Mas então? Se a rapariga não sabe ler! Se não sabe uma oração, se não tem quem a instrua, quem lhe leve a palavra de Deus, quem a fortifique, quem lhe ensine o segredo de frustrar o Inimigo!...

Ergueu-se animado, deu alguns passos pela sala, de ombros vergados, numa mágoa de pastor a quem uma força desproporcional arrebata uma ovelha amada. E, exaltado pelas suas palavras, sentia, com efeito, uma piedade que o invadia, uma compaixão verdadeira por aquela pobre criatura, a quem a falta de consolações devia tornar mais intensa a agonia da imobilidade...

As senhoras olhavam-se, magoadas com aquele caso triste de abandono de alma, - sobretudo pela dor que ele parecia trazer ao senhor cônego.





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