O Crime do Padre Amaro - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 304 / 478

A Sra. D. Maria da Assunção, que percorria em imaginação o abundante arsenal da devoção, lembrara logo que se lhe pusessem alguns santos à cabeceira, como S. Vicente, Nossa Senhora das Sete Chagas... Mas o silêncio das amigas exprimiu bem a insuficiência daquela galeria devota.

- As senhoras dir-me-ão, talvez, disse o padre Amaro sentando-se de novo, que se trata apenas da filha do sineiro. Mas é uma alma! É uma alma como as nossas!

- Todos têm direito à graça do Senhor, disse o cônego gravemente, num sentimento de imparcialidade, admitindo a igualdade das classes logo que não se tratava de bens materiais e apenas dos confortos do Céu.

- Para Deus não há pobre nem rico, suspirou a S. Joaneira. Antes pobre, que dos pobres é o reino do Céu.

- Não, antes rico, acudiu o cônego, estendendo a mão para deter aquela falsa interpretação da lei divina. Que o Céu também é para os ricos. A senhora não compreende o preceito Beati pauperes, benditos os pobres, quer dizer que os pobres devem-se achar felizes na pobreza; não desejarem os bens dos ricos; não quererem mais que o bocado de pão que têm; não aspirarem a participar das riquezas dos outros, sob pena de não serem benditos. É por isso, saiba a senhora, que essa canalha que prega que os trabalhadores e as classes baixas devem viver melhor do que vivem, vai de encontro à expressa vontade da Igreja e de Nosso Senhor, e não merece senão chicote, como excomungados que são! Ouf!

E estirou-se, extenuado de ter falado tanto. O padre Amaro, esse, permanecia calado, com o cotovelo sobre a mesa, esfregando devagar a testa. Ia lançar a sua ideia, como vinda de uma inspiração divina, propor que fosse Amélia levar uma educação devota à triste paralítica... E hesitava supersticiosamente diante do seu motivo todo carnal, todo de concupiscência.





Os capítulos deste livro