O Crime do Padre Amaro - Cap. 23: Capítulo 23 Pág. 431 / 478

Amaro foi entrando pela cozinha, e tartamudeando uma história que ia forjando laboriosamente. Era uma parente que ia ter o seu bom sucesso. O marido não pudera vir falar-lhes porque estava doente... Queria uma ama para lhes ir para casa, e tinham-lhe dito...

- Não, fora de casa, não. Cá em casa - disse o anão que não se despegava das saias da mulher, mirando o pároco de lado com o seu medonho olho injetado.

Ah, então tinham-no informado mal... Sentia; mas o que o parente queria era uma ama para casa.

Veio dirigindo-se para a égua, devagar; parou, e abotoando o casacão:

- Mas em casa recebem crianças para criação?... - perguntou ainda.

- Convindo o ajuste, disse o anão que o seguia.

Amaro arranjou a espora no pé, deu um puxão ao estribo, demorando-se, rondando em tomo da cavalgadura:

- É necessário trazer-lha cá, já se sabe.

O anão voltou-se, trocou um olhar com a mulher que ficara à porta da cozinha.

- Também se lhe vai buscar, disse.

Amaro batia palmadas no pescoço da égua.

- Mas sendo a coisa de noite, agora com esse frio, é matar a criança...

Então os dois, falando ao mesmo tempo, afirmaram que não lhe fazia mal. Havendo, já se sabe, carinho e agasalho...

Amaro cavalgou vivamente a égua, deu as boas-tardes e trotou pelo córrego.

* * *

Amélia agora começava a andar assustada. De dia e de noite só pensava naquelas horas, que se avizinhavam, em que devia sentir chegarem as dores. Sofria mais que durante os primeiros meses; tinha tonturas, perversões de gosto - que o doutor Gouveia observava, franzindo a testa descontente. As noites eram más, numa turbação de pesadelos. Já não eram as alucinações religiosas: isso cessara numa súbita aplacação de todo o terror devoto: não sentiria menos temor de Deus, se já fosse uma santa canonizada.





Os capítulos deste livro