O Crime do Padre Amaro - Cap. 23: Capítulo 23 Pág. 430 / 478

Defronte da casa prendeu a égua à cancela, e olhou pela porta aberta: era uma cozinha térrea, de grande lareira, com saída para o pátio estradado de mato onde dois bacorinhos fossavam. Na prateleira da chaminé rebrilhava a louça branca. Dos lados pendiam grandes caçarolas de cobre, dum lustro de casa rica. Num velho armário meio aberto branquejavam pilhas de roupa: e havia tanta ordem que uma claridade parecia sair do asseio e do arranjo das coisas.

Amaro então bateu forte as palmas. Uma rola pulou assustada, dentro da sua gaiola de vime pendurada da parede. Depois chamou alto:

- Sra. Carlota!

Imediatamente do lado do pátio uma mulher apareceu, com um crivo na mão. E Amaro, surpreendido, viu uma agradável criatura de quase quarenta anos, forte de peitos, ampla de encontros, muito branca no pescoço, com duas ricas arrecadas, e uns olhos negros que lhe lembraram os de Amélia ou antes o brilho mais repousado dos da S. Joaneira.

Assombrado, balbuciou:

- Creio que me enganei... Aqui é que mora a Sra. Carlota?

Não se enganara, era ela; mas com a ideia que a figura medonha "que tecia os anjos" devia estar algures, agachada num vão tenebroso da casa, perguntou ainda:

- Vossemecê vive aqui só?

A mulher olhou-o desconfiada:

- Não senhor, disse por fim, vivo com o meu marido...

Justamente o marido saía do pátio, - medonho, esse, quase anão, com a cabeça embrulhada num lenço e muito enterrada nos ombros, a face de uma amarelidão de cera oleosa e lustrosa; no queixo anelavam-se os pêlos raros duma barba negra; e sob as arcadas fundas sem sobrancelhas, vermelhejavam dois olhos raiados de sangue, olhos de insônia e de bebedeira.

- Para o seu serviço, vossa senhoria quer alguma coisa? disse, muito colado à saia da mulher.





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