Tinha estado até então no ministério, em comissão. Era a primeira vez que se separava de Luísa; e perdia-se já em saudades daquela salinha, que ele mesmo ajudara a forrar de papel novo nas vésperas do seu casamento, e onde, depois das felicidades da noite, os seus almoços se prolongavam em tão suaves preguiças!
E cofiando a barba curta e fina, muito frisada, os seus olhos iam-se demorando, com uma ternura, naqueles móveis íntimos, que eram do tempo da mamã: o velho guarda-louça envidraçado, com as pratas muito tratadas a gesso-cré, resplandecendo decorativamente; o velho painel a óleo, tão querido, que vira desde pequeno, onde apenas se percebiam, num fundo lascado, os tons avermelhados de cobre de um bojo de caçarola e os rosados desbotados de um molho de rabanetes! Defronte, na outra parede, era o retrato de seu pai: estava vestido à moda de 1830, tinha a fisionomia redonda, o olho luzidio, o beiço sensual; e sobre a sua casaca abotoada reluzia a comenda de Nossa Senhora da Conceição. Fora um antigo empregado do Ministério da Fazenda, muito divertido, grande tocador de flauta. Nunca o conhecera, mas a mamã afirmava-lhe que o retrato só lhe faltava falar. Vivera sempre naquela casa com sua mãe. Chamava-se Isaura: era uma senhora alta, de nariz afilado, muito apreensiva; bebia ao jantar água quente; e ao voltar um dia do lausperene da Graça, morrera de repente, sem um ai!
Fisicamente Jorge nunca se parecera com ela.