O Primo Basílio - Cap. 14: CAPÍTULO XIV Pág. 369 / 414

Joana disse escandalizada:

- Longe vá o agouro, cruzes!

A outra sorriu; faltavam-lhe dois dentes; e aflautando a voz:

- Tem-me passado pela mão muita gente fina, minha menina. Mais uma gotinha de vinho, faz favor? É do Cartaxo, não? É muito aveludado! Rica gota!

Enfim, com grande satisfação de Jorge, às quatro horas os homens desceram o caixão. A vizinhança estava pelas portas. O Paula, mesmo por fanfarronada, disse com dois dedos adeus ao esquife, murmurando:

- Boa viagem!

Jorge em cima, ao sair, perguntou a Joana:

- E você não tem medo de ficar aqui só?

- Eu não, meu senhor. Quem vai não volta!

Tinha medo, com efeito; mas preparava-se a passar a noite com o Pedro, e batia-lhe o coração de alegria de "terem a casa por sua" até de manhã, e de se poderem rolar amorosamente, como fidalgos, por cima do divã da sala.

Jorge voltou com Sebastião para casa, e apenas entrou no quarto, onde Luísa estava deitada:

- Tudo pronto - disse, esfregando as mãos. - Lã vai para o Alto de São João, devidamente acondicionada. Per omnia saecula soeculorum!

A tia Joana, que estava à cabeceira de Luísa, acudiu:

- Ai, quem lá vai, lá vai... Mas boa mulher não era ela!

- Era um bom estafermo - disse Jorge. - Esperemos que a esta hora esteja a ferver na caldeira de Pero Botelho. Não é verdade, tia Joana?

- Jorge! - fez Luísa repreensivamente. E julgou dever rezar-lhe baixo dois padre-nossos por alma.

Foi tudo o que a terra deu na sua morte àquela que ia rolando a essa hora, ao trote de duas velhas éguas, para a vala dos pobres, e que fora na vida Juliana Couceiro Tavira!

No dia seguinte Luísa estava melhor; falaram mesmo, com grande desconsolação da tia Joana, em voltar para casa. Sebastião não dizia nada, mas quase desejava secretamente que uma convalescença a retivesse ali semanas indefinidas.





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