O Primo Basílio - Cap. 2: CAPÍTULO II Pág. 42 / 414

Para arejar do fumo de tabaco, Luísa foi abrir as janelas; a noite estava quente e imóvel, de luar.

Sebastião pusera-se ao piano, e com a cabeça curvada, corria devagar o teclado.

Tocava admiravelmente, com uma compreensão muito fina da música. Outrora compusera mesmo uma meditação, duas valsas, uma balada: mas eram estudos muito trabalhados, cheios de reminiscências, sem estilo. - Da cachimônia não me sai nada - costumava ele dizer com bonomia, batendo na testa, sorrindo - mas lá com os dedos!...

Pôs-se a tocar um Noturno, de Chopin. Jorge sentara-se no sofá ao pé de Luísa.

- Já tens pronto o teu farnelzinho!... - disse-lhe ela.

- Bastam umas bolachas, filha. O que quero é o cantil com conhaque.

- E não te esqueças de mandar um telegrama logo que chegues!

- Pudera!

- Tu daqui a quinze dias, vens!

- Talvez...

Ela teve um gesto amuado.

- Ah, bem! Se não vieres vou ter contigo! A culpa é tua.

E olhando em redor:

- Que só que vou ficar!

Mordeu o beicinho, fitou o tapete. E de repente, com a voz ainda triste:

- Psiu, Sebastião! A malaguenha, faz favor?

Sebastião começou a tocar a malaguenha. Aquela melodia cálida, muito arrastada, encantava-a. Parecia-lhe estar em Málaga, ou em Granada, não sabia: era sob as laranjeiras, mil estrelinhas luzem; a noite é quente, o ar cheira bem; por baixo de um lampião suspenso a um ramo, um cantador sentado na tripeça mourisca faz gemer a guitarra; em redor as mulheres com os seus corpetes de veludilho encarnado batem as mãos em cadência; e ao largo dorme uma andaluza de romance e de zarzuela, quente e sensual, onde tudo são braços brancos que se abrem para o amor, capas românticas que roçam as paredes sombrias vielas onde luz o nicho do santo e se repenica a viola, serenos que invocam a Virgem Santíssima cantando as horas.





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