Assim atacado, entre dois fogos, Ega trovejou: justamente o fraco do realismo estava em ser ainda pouco cientifico, inventar enredos, criar dramas, abandonar-se à fantasia literária! a forma pura da arte naturalista devia ser a monografia, o estudo seco de um tipo, de um vício, de uma paixão, tal qual como se se tratasse de um caso patológico, sem pitoresco e sem estilo!...
- Isso é absurdo, dizia Carlos, os caracteres só se podem manifestar pela acção...
- E a obra de arte, acrescentou Craft, vive apenas pela forma...
Alencar interrompeu-os, exclamando que não eram necessárias tantas filosofias.
- Vocês estão gastando cera com ruins defuntos, filhos. O realismo critica-se deste modo: mão no nariz! Eu quando vejo um desses livros, enfrasco-me logo em água de colónia. Não discutamos o excremento.
- Sole normande? perguntou-lhe o criado, adiantando a travessa.
Ega ia fulminá-lo. Mas, vendo que o Cohen dava um sorriso enfastiado e superior a estas controvérsias de literaturas, calou-se; ocupou-se só dele, quis saber que tal ele achava aquele St. Emilion; e, quando o viu confortavelmente servido de sole normande, lançou com grande alarde de interesse esta pergunta:
- Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz?
E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados, que aquela questão do empréstimo era grave. Uma operação tremenda, um verdadeiro episódio histórico!...
O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar absolutamente. Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta - cobrar o imposto e fazer o empréstimo. E assim se havia de continuar...
Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a bancarrota.
- Num golpezinho muito seguro e muito a direito, disse o Cohen, sorrindo. Ah, sobre isso, ninguém tem ilusões, meu caro senhor.