Os Maias - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 18 / 630

Veio o Champagne. E o Alencar, depois de passar os dedos magros pelos anéis da cabeleira e pelas pontas do bigode, começou, todo recostado e dando um puxão aos punhos:

- Por uma dourada tarde de outono...

- André, gritou Pedro ao criado, martelando o mármore da mesa, retira o Champagne!

O Alencar bradou, imitando o actor Epifânio:

- O quê! Sem saciar a avidez de meu lábio?...

Pois bem, o Champagne ficaria: mas o amigo Alencar, esquecendo que era o poeta das Vozes de Aurora, explicaria aquela gente da caleche azul numa linguagem cristã e pratica!...

- Aí vai, meu Pedro, aí vai!

Havia dois anos, justamente quando Pedro perdera a mamã, aquele velho, o papá Monforte, uma manhã rompera subitamente pelas ruas e pela sociedade de Lisboa naquela mesma caleche com essa bela filha ao seu lado. Ninguém os conhecia. Tinham alugado a Arroios um primeiro andar no palacete dos Vargas; e a rapariga principiou a aparecer em S. Carlos, fazendo uma impressão – uma impressão de causar aneurismas, dizia o Alencar! Quando ela atravessava o salão os ombros vergavam-se no deslumbramento de auréola que vinha daquela magnifica criatura, arrastando com um passo de Deusa a sua cauda de corte, sempre decotada como em noites de gala, e apesar de solteira resplandecente de jóias. O papá nunca lhe dava o braço: seguia atrás, entalado numa grande gravata branca de mordomo, parecendo mais tisnado e mais embarcadiço na claridade loira que saía da filha, encolhido e quase apavorado, trazendo nas mãos o óculo, o libreto, um saco de bombons, o leque e o seu próprio guarda-chuva. Mas era no camarote, quando a luz caía sobre o seu colo ebúrneo e as suas tranças de oiro, que ela oferecia verdadeiramente a encarnação de um ideal da Renascença, um modelo de Ticiano... Ele, Alencar, na primeira noite em que a vira, exclamara, mostrando-a a ela e às outras, às trigueirotas da assinatura:

- Rapazes! é como um ducado de ouro novo entre velhos patacos do tempo do Sr. D. João VI!





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