Os Maias - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 302 / 630

Quando ele se voltou, risonho, descendo precipitadamente os canhões das mangas, Carlos reconheceu-o pelas suíças ruivas. Era com efeito o Domingos, escudeiro excelente, que no começo do inverno estivera no Ramalhete, e se despedira por birras patrióticas, birras ciumentas, com o cozinheiro francês.

- Não o tinha visto bem, Domingos, disse Carlos. O patamar é um pouco escuro... Lembro-me perfeitamente... E então Você agora aqui, hein? E está contente?

- Eu parece-me que estou muito contente, meu senhor... O Sr. Cruges também mora cá por cima...

- Bem sei, bem sei...

- Tenha V. Ex.ª a paciência de esperar um instantinho que eu vou dar parte à Sr.ª D. Maria Eduarda...

Maria Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela; e pareceu-lhe perfeito, condizendo bem com a sua beleza serena. Maria Eduarda, Carlos Eduardo... Havia uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seus destinos!

Domingos, no entanto, já à porta da sala, com a mão no reposteiro, parou ainda, para dizer num tom de confidência e sorrindo:

- É a governante inglesa que está doente...

- Ah! É a governante?

- Sim, meu senhor, tem uma febrezita desde ontem, peso no peito...

- Ah!...

O Domingos deu outro movimento lento ao reposteiro, sem se apressar, contemplando Carlos com admiração:

- E o avozinho de V. Ex.ª passa bem?

- Obrigado, Domingos, passa bem.

- Aquilo é que é um grande senhor!... Não há, não há outro assim em Lisboa!

- Obrigado, Domingos, obrigado...

Quando ele finalmente saiu, Carlos, tirando as luvas, deu uma volta curiosa e lenta pela sala. O soalho fora esteirado de novo. Ao pé da porta havia um piano antigo de cauda, coberto com um pano alvadio; sobre uma estante ao lado, cheia de partituras, de músicas, de jornais ilustrados, pousava um vaso do Japão onde murchavam três belos lírios brancos; todas as cadeiras eram forradas de reps vermelho; e aos pés do sofá estirava-se uma velha pele de tigre.





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