Os Maias - Cap. 16: Capítulo 16 Pág. 535 / 630

Já pela sala se voltavam olhares inquietos para aquele grupo cheio de revolução. Mas um silêncio caiu, mais comovido e grave, quando o Alencar (que inspiradamente previra a intolerância burguesa) perguntou em estrofes iradas o que detestavam, o que receavam eles, no advento sublime da Republica? Era o pão carinhoso dado à criança? Era a mão justa estendida ao proletário? Era a esperança? Era a aurora?

Receais a grande luz?

Tendes medo do Abecê?...

Então castigai quem lê,

Voltai à plebe soez!

Recuai sempre na História,

Apagai o gás nas ruas,

Deixai as crianças nuas,

E venha a forca outra vez!

Palmas, mais numerosas, já sinceras, estalaram pela sala, que cedia enfim ao repetido encanto daquele lirismo humanitário e sonoro. Já não importava a Republica, os seus perigos. Os versos rolavam, cantantes e claros; e a sua onda larga arrastava os espíritos mais positivos. Sob aquele bafo de simpatia Alencar sorria, com os braços abertos, anunciando uma a uma, como pérolas que se desfiam, todas as dádivas que traria a República. Debaixo da sua bandeira, não vermelha mas branca, ele via a terra coberta de searas, todas as fomes satisfeitas, as nações cantando nos vales sob o olhar risonho de Deus. Sim, porque Alencar não queria uma Republica sem Deus! A Democracia e o Cristianismo, como um lírio que se abraça a uma espiga, completavam-se, estreitando os seios! A rocha do Golgotha tornava-se a tribuna da Convenção! E para tão doce ideal não se necessitavam cardeais, nem missais, nem novenas, nem igrejas. A Republica, feita só de pureza e de fé, reza nos campos; a lua cheia é hóstia; os rouxinóis entoam o tantum ergo nos ramos dos loureirais. E tudo prospera, tudo refulge - ao mundo do Conflito substitui-se o mundo do Amor...

Á espada sucede o arado,

A Justiça ri da Morte,

A escóla está livre e forte,

E a Bastilha derrocada.

Róla a tiára no lodo,

Brota o lírio da Igualdade,

E uma nova Humanidade

Planta a cruz na barricada!





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