De repente a porta abriu-se, Carlos apareceu exclamando:
- Então que madrugada foi esta? Disse-me agora lá em baixo o Baptista... É aventura? duelo?
Trazia o paletó todo abotoado, com a gola erguida, escondendo ainda a gravata branca da véspera; e decerto chegara da rua de S. Francisco na tipoia que havia instantes Ega sentira parar na calçada.
Ele sentara-se bruscamente na cama; e estendendo a mão para os cigarros, sobre a mesa ao lado, murmurou, bocejando, que na véspera combinara uma ida a Sintra com o Taveira... Por precaução mandara-se chamar... Mas não sabia, acordara cansado...
- Que tal está o dia?
Justamente Carlos fora correr o transparente da janela. Aí, na mesa de trabalho, colocada em plena luz, ficara a caixa da Monforte embrulhada no Rapel. E Ega pensou num relance: - «Se ele repara, se pergunta, digo tudo!» - O seu pobre coração pôs-se a bater ansiosamente no terror daquela decisão. Mas o transparente um pouco perro subiu, uma facha de sol banhou a mesa - e Carlos voltou sem reparar no cofre. Foi um imenso alivio para o Ega.
- Então, Sintra? disse Carlos, sentando-se aos pés da cama. Com efeito não é má ideia... A Maria ainda ontem esteve também a falar de ir a Sintra... Espera! Podíamos fazer a patuscada juntos... Íamos no break, a quatro!
E olhava já o relógio, calculando o tempo para atrelar, avisar Maria.
- O pior, acudiu o Ega atrapalhado, tomando de sobre a mesa o monóculo, é que o Taveira falou em irmos com umas raparigas...
Carlos encolheu os ombros com horror. Que sordidez, ir com mulheres para Sintra, de dia!... De noite, nas trevas, por bebedeira, vá... Mas à luz do Senhor! Talvez com a Lola gorda, hein?...