Os Maias - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 58 / 630

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O abade suspirou como um santo que vê a negra impiedade dos tempos e Belzebut arrebatando as melhores rezes do rebanho; depois olhou a chávena e sorveu com delicias o resto do seu café.

Quando Afonso da Maia, Vilaça e o abade recolheram do seu passeio pela freguesia, escurecera, havia luzes pelas salas, e tinham chegado já as Silveiras, senhoras ricas da quinta da Lagoaça.

D. Ana Silveira, a solteira e mais velha, passava pela talentosa da família, e era em pontos de doutrina e de etiqueta uma grande autoridade em Resende. A viúva, D. Eugenia, limitava-se a ser uma excelente e pachorrenta senhora, de agradável nutrição, trigueirota e pestanuda; tinha dois filhos, a Teresinha, a noiva de Carlos, uma rapariguinha magra e viva com cabelos negros como tinta, e o morgadinho, o Eusebiozinho, uma maravilha muito falada naqueles sítios.

Quase desde o berço este notável menino revelara um edificante amor por alfarrábios e por todas as coisas do saber. Ainda gatinhava e já a sua alegria era estar a um canto, sobre uma esteira, embrulhado num cobertor, folheando in-fólios, com o crâniozinho calvo de sábio curvado sobre as letras garrafais de boa doutrina: depois de crescidinho tinha tal propósito que permanecia horas imóvel numa cadeira, de perninhas bambas, esfuracando o nariz: nunca apetecera um tambor ou uma arma: mas cosiam-lhe cadernos de papel, onde o precoce letrado, entre o pasmo da mamã e da titi, passava dias a traçar algarismos, com a línguazinha de fora.

Assim na família tinha a sua carreira destinada: era rico, havia de ser primeiro bacharel, e depois desembargador. Quando vinha a Santa Olávia, a tia Anica instalava-o logo à mesa, ao pé do candeeiro, a admirar as pinturas de um enorme e rico volume, os Costumes de todos os povos do Universo. Já lá estava essa noite, vestido como sempre de escocês, com o plaid de flamejante xadrez vermelho e negro posto a tiracolo e preso ao ombro por uma dragona; para que conservasse o ar nobre de um Stuart, de um valoroso cavaleiro de Walter Scott, nunca lhe tiravam o boné onde se arqueava com heroísmo uma rutilante pena de galo;





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